04/07/2009

Dez dedos

Luís pediu Marisa em namoro. Ela recusou: explicou que se apaixonara pelo menino que sentava à sua frente no banco da igreja, durante as missas de domingo. Luís quis saber quem era o adversário. Descobriu: tratava-se de Inácio, filho do carroceiro. Inácio perdera um dos dedos devido à dentada do Ernandez, o pangaré cheio de berne que ajudava no sustento da família. Luís pediu ao irmão que trabalhava no açougue que lhe cortasse o mesmo dedo em um golpe de cutelo. O irmão assentiu, ele já fora vítima das mesmas paixões da idade. Luís voltou a falar com Marisa. Marisa recusou pela segunda vez. Explicou que Inácio fora salvar uma vira-lata e seus filhotes do ataque de um pit bull pertencente ao capitão Ernesto. Os dentes do cão arrebentaram sua perna de um jeito que os médicos a amputaram. Luís chorou, mas não desistiu. Saltou o muro cheio de cacos de vidro do capitão Ernesto pronto para o sacrifício. O cão veio e lhe estraçalhou um braço e uma perna. As pessoas na cidade o apelidaram de Pirata. Foi bater à casa de Marisa. Ela estava de luto, véu e mantilha preta. Parecia uma velha. Antes de pedí-la em namoro novamente, Luís perguntou sobre Inácio. Inicialmente, ela apontou para uma urna deixada sobre a mesa da sala e só então explicou. O gato da dona Brasilina subira numa das árvores da praça do coreto e não conseguia mais descer. Inácio se prontificou a resgatá-lo. Um toró se achegava. Quando estava para salvar, um raio caiu e incinerou Inácio. Restaram cinzas. Luís resignou-se: pegou um vidro de álcool e se imolou ali mesmo na sala de Marisa, derretendo parte da mobília. Depois de queimar tudo e antes dos pais chegarem, ela varreu as cinzas, misturou bem com as de Inácio, espalhou na cama como se fossem pétalas e deitou nua sobre o lençol vermelho, ela e todos seus dez dedos das mãos.


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