Para el anônimo
Começou pelos muros, em uma fonte atípica para os pichadores convencionais, aquela agressiva, pontiaguda e quase grega ou quase caco, mas tampouco era caligrafia arredondada e infantil, fofa que nem letra de menina. Eram letras quadradas, sem serifa, quase tijolos, quase janelas ou peças de dominó. A construção da mensagem era, entretanto, irrelevante. No fundo, precisávamos deste chamado às armas: o amor é importante, porra!
As pessoas liam de dentro de seus veículos presos nos engarrafamentos, ou pelas janelas dos coletivos e despertavam do torpor. Lembravam-se. Tiraram fotos com celulares ou anotavam às margens dos livros psicografados. Comentaram pelas mesas dos bares e pontos descolados em meio a copos de chope e latas de redbull, acendendo cigarros de nicotina ou de maconha, escreviam o texto em bilhetinhos, email, torpedos trocados durante a aula ou o serviço: o amor é importante, porra!
Deu num blog, depois num site até chegar ao jornal de domingo. Nas rodas de amigos, gays, lésbicas, simpatizantes ou não, era o que se dizia, era o que se prometia. Todos desconheciam o responsável pela mensagem anônima. Supunha-se alguém nervoso, alguém que tomou um pé na bunda, alguém com raiva. Devia ser alguém com memória. Alguém que ainda se lembrava: o amor é importante, porra!
No dia dos namorados, foi noticia até no telejornal da meia-noite (não se fala “porra” cedo). A repórter corou um pouco, baixou os olhos, não se sabe se de raiva ou vergonha ou de saudade: acabara de se divorciar, deu nas revistas de fofoca. Mas quem a conhecia, sabia o porquê. Um argentino, um colombiano, ou um brasileiro metido a esperto, arriscou o portuñol e pichou em Buenos Aires ou Barcelona: El amor es importante, carajo!
Dali foi pro resto do mundo. Surgiram cartazes, camisetas e camisinhas, com os dizeres para quem quisesse ver. Comerciais de Coca Cola com belíssimos efeitos gráficos e computadorizados. Saiu na capa da Playboy sob a bunda da mulher do Big Brother. Comédia romântica produzida por Drew Barrymore. As meninas escreviam o mote sobre a foto dos meninos do High School Musical ou sob o desenho da Pucca nas capas de caderno: O amor é importante, porra!
Um ano depois, a polícia foi chamada. Encontraram uma cabeça dentro de um saco. Dentro da boca, envolta em um plástico delicado e sem digitais ou DNA, um envelope cor de rosa. Na carta, um pequeno recado em uma caligrafia estilizada de convite de casamento: O amor continua sendo importante.
Brontops - http://brontops.blogspot.com/
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