02/07/2010

23 de novembro de 1979*

Trabalhar em barco foi uma das piores coisas que já fiz. Todo dia era aquela solidão esticada. De noite, diante do mar, não havia nada além da escuridão.
Pouco se conversa nesses momentos. A audição deve ser o principal sentido, pois o invisível prega peças e o mar braveia a qualquer hora.
Quantas madrugadas de mar revolto. Afoito. Passei a odiar meu antigo companheiro. Justo ele, que sempre foi meu confidente, minha memória e meu pensamento. Embarcado, era meu inimigo.
Não havia mulheres e músicas compactuando cigarros e beijos. Não havia trapiche. Havia apenas outros inseguros homens à espera do porto: nossa mais ansiosa promessa. Em terra firme teríamos o amor rápido e a pesagem do camarão.

*Trecho de Retratos da Garoupa de Fernanda Grigolin,  livro ainda inédito


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